Cada dia comentamos, discutimos e criticamos o que acontece ao nosso redor. Ao fazermos isso, entra em ação princípios, valores e conceitos que guiam nossa vida. Assim, quando alguém julga uma notícia, o faz a partir do que julga certo ou errado. Um ponto de vista é sempre a vista de um ponto. Quem está em outro ponto, em outra situação, e tem valores diferentes, chegará a outras conclusões. Fazer, pois, a mais simples observação é revelar quem somos, o que queremos e em que acreditamos.
As pessoas que mais admiramos e que deixaram em nós a mais profunda impressão tocaram-nos profundamente devido a unidade de sua vida, a coerência entre suas palavras e seus comportamentos, e a convicção que as conduzia. A vida é marcada por surpresas. Não raramente nos coloca diante de situações para as quais não temos tempo de nos preparar. Por isso mesmo, alguém já disse que: “os acontecimentos não nos deixam piores, apenas nos mostram o que somos. Assim, quem não se guia por princípios ou não tem motivações profundas, acabam sendo um joguete nas mãos da opinião pública (leia-se) televisão, jornais e revistas, redes sociais e etc).
Para termos unidade interna, (“personalidade”, dirão alguns), há necessidade de uma constante revisão de vida – isto é, de uma crítica às nossas motivações e às ideias que nos conduzem. Tento explicar-me: quando vejo uma partida de futebol pela televisão, agrada-nos ver o gol repetido sobre vários ângulos, inclusive em câmera lenta. Assim, captamos detalhes, que no primeiro momento, nem havíamos percebido. O mesmo vale para determinados momentos de nossa vida. Revendo-os, percebemos melhor nossos acertos, podendo, então, repeti-los; ou constatamos nossos erros, tendo condições pois, de evitá-los.
Quem se guia pela fé, pode fazer isso à luz de algumas perguntas: Em que tal acontecimento correspondeu à vontade de Deus] Beneficiou os outros] Como Jesus Cristo teria agido naquela situação concreta] No futuro, em ação semelhante, como deverei agir] as pessoas que fazem, frequentemente, uma revisão da própria vida acabam percebendo quanto a vida humana é frágil, complexa e delicada. Tal constatação nos torna humildes e compreensivos, dispostos a perdoar os demais, pois tomamos consciência de que por trás de cada ação humana, há uma pessoa, que como nós, ama e se alegra, sofre e faz planos, tem esperanças e decepções.
Se nós mesmos nos surpreendemos com certas palavras que dizemos, com comportamento que temos e com decisões que, inesperadamente, tomamos, como ser tão rigorosos no julgamento dos outros] Que direito temos, pois, de divulgar ou comentar palavras ou gestos com os quais seus próprios autores não se identificam e, se pudessem, os “deletariam” imediatamente] “Não julgueis, e não sereis julgados”, nos ensinou Jesus. “Pois com o mesmo julgamento com que julgardes os outros, sereis julgados; e a mesma medida que usardes para os outros, servirá para vós”. (Mt. 7. 1-2). Quanto realismo nessa afirmação!
Nossos julgamentos, feitos a partir de um determinado ponto de vista, são, portanto, parciais, incompletos, e geralmente, superficiais e injustos. Não é essa a percepção que temos, quando somos informados de uma crítica que fizeram contra nós, de uma observação sobre um comportamento que tivemos ou de uma palavra que dissemos e que foi repassada fora de contexto em que foi dita] A revisão de vida nos leva a parar para caminhar melhor, nos torna realistas e reforça nossas convicções, nos leva a sermos simples e compreensivos – além de nos ajudar a escrever a razão de Jesus ter insistido tanto na importância do perdão.
Dom Murilo S. R. Krieger SCJ – Arcebispo de São Salvador – BA. Primaz do Brasil
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