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30 - PELOS CAMINHOS DA MÚSICA: UMA JANELA PARA O SERTÃO

  • Fernando Mauro Ribeiro
  • 29 de jul. de 2024
  • 2 min de leitura

Voltados para a natureza, levados pela beleza do luar ou da magia das cores do sertão, os compositores sertanejos de raiz sabem, como poucos, falar do amor. E como abordam a vida de gente simples, com pessoas que arrancam da terra a paz e a força de viver, entendem esses compositores em que os seus sentimentos, quase por definição, devem ser também puros e honestos. Daí, surgem poemas de imenso lirismo, alguns de muita delicadeza e com uma poesia sem nenhum limite.

       Saindo um pouco da lista dos consagrados compositores caipiras, vamos encontrar uma das composições mais bonitas do amor caipira em Mário de Andrade, um dos cabeças da Semana de Arte Moderna (São Paulo, 1922). São versos que chegam a surpreender quem não conhece bem seu autor, mas que demonstram sua profunda ligação com a terra, com o homem da terra e seus valores mais simples.


VIOLA QUEBRADA: Mário de Andrade

Quando da brisa no açoite a flor da noite se acurvou

Fui encontrar a Maroca meu amor.

Eu senti n’alma um choque duro,

Quando ao muro, já no escuro,

O meu olhar foi buscar a cara dela e não achei.

Minha viola gemeu. / Meu coração estremeceu.

Minha viola quebrou. / Meu coração me deixou.

Minha Maroca resolveu, pra gosto seu, me abandonar,

Porque o fadista nunca sabe trabalhar.

Isso é besteira que, da flor que brilha e cheira a noite inteira,

Vem depois a fruta que dá gosto de saborear.

Minha viola gemeu. / Meu coração estremeceu.

Minha viola quebrou. / Meu coração me deixou.

Por causa dela eu sou rapaz muito capaz de trabalhar,

O dia inteiro e a noite inteira capinar.

Eu sei carpir porque minh’alma está arada e rodeada (loteada),

Capinada com as foiçadas dessa luz do seu olhar.

Minha viola gemeu. / Meu coração estremeceu.

Minha viola quebrou. / Meu coração me deixou.

      

        É de notar que, em função de sua cultura apurada, Mário de Andrade emprega, logo no início de “Viola Quebrada”, a anástrofe (inversão de palavras dentro do verso), uma figura pouquíssima vista no cancioneiro caipira: ele escreve “quando da brisa no açoite a flor da noite se acurvou” quando, em linguagem corrente, seria “quando a flor da noite se acurvou no açoite da brisa”. Coisa de literato sabido.

       Os versos finais são antológicos, lindamente traçados com motivos e temas essencialmente ligados à terra e ao lavrador: “Eu sei carpir porque minh’alma está arada e loteada, capinada com as foiçadas dessa luz do seu olhar”. Imagem perfeita, poesia em seu estado mais puro.

Extraído do livro “De repente, a viola”. Autores: Álvaro Catelan & Ladislau Couto

Ladislau Couto

 

 

 
 
 

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