23 DE AGOSTO: DIA DOS ARTISTASA VIDA É A ARTE DO ENCONTRO
Fernando Mauro Ribeiro
21 de ago. de 2024
4 min de leitura
Vinícius de Moraes, como se sabe, escreveu o verso “A vida é a arte do encontro” (para o samba da bênção) e usou-o como máxima a vida inteira. Como um Roberto Carlos, o poeta queria ter um milhão de amigos e de fato os teve.
- Vinícius inventou esse negócio de parceria à toa, sem armação, pela amizade e gosto de trabalhar junto que caracteriza a música brasileira desde então – disse Chico Buarque, um dos mais próximos desses amigos e parceiros, em entrevista ao jornal O Globo, no segundo caderno.
Mas nem todos os encontros começaram de forma tão serena como o mito do poetinha cordial pode supor. A primeira vez que os integrantes do MPB-4 viram Vinícius, por exemplo, só não acabou com a carreira do quarteto logo no início porque, além do óbvio talento do grupo, o próprio Vinícius passaria a vida com palavras e ações contradizendo esta primeira opinião: “Querem saber de uma coisa: o MPB-4 é uma merda, o Chico Buarque é uma merda, só o Tonzinho é que é bom”.
Entre gargalhadas, Ruy, Miltinho, Magro e Aquiles relembram a bombástica e venenosa frase de Vinícius, na primeira vez em que estiveram com ele. – Estávamos na casa do Aloysio de Oliveira (letrista e produtor, diretor da melhor gravadora da época, a mítica Elenco), na Lagoa, fechando com ele o contrato do nosso primeiro disco – diz Ruy. – Quando o Vinícius chegou achei que estávamos feitos. Um pouco antes, ele nos ouviu cantar nos camarins do Teatro Santa Rosa e havia gostado muito. Mas ele veio com essa.
Vinícius já havia bebido umas e outras e devia estar cheio de amor por Tom Jobim. Porque por toda a vida ele adorou o MPB-4 – nunca se referiu à primeira e mordaz opinião – que o acompanhou dali para frente, em vários discos, fazendo o suporte vocal.
Com o Quarteto em Cy, a quem Vinícius carinhosamente costumava chamar de “as minhas baianinhas”, nunca houve entreveros. Ele e Carlos Lyra batizaram o grupo e o profissionalizaram em 1964. Juntos, MPB-4 e Quarteto em Cy fizeram o mais importante tributo a Vinícius na ocasião dos 20 anos de sua morte. No mês de julho desse ano completaram-se 28 anos de saudade do poetinha.
Vinícius teve muitos parceiros musicais: Tom Jobim, Carlos Lyra e Baden Powell, compositores que ele chamava de “a santíssima Trindade”. Mas trabalhou também com Toquinho, Edu Lobo, Francis Hime, Chico Buarque e outros.
TOM JOBIM CANTA VINÍCIUS
Gravado no CCBB em 1990, numa série em homenagem aos dez anos da morte do poeta, foi lançado em agosto de 2000 – não assisti à gravação no Centro Cultural Banco do Brasil em 1990, mas, comprei o disco numa Loja na Visconde de Pirajá, em Ipanema, em setembro de 2000 - pelo selo Jobim Music, um disco extraordinário em que Tom fala de sua saudade e interpreta canções de Vinícius acompanhado de Paula (voz) e Jaques Morelenbaum (violoncelo), Paulo Jobim (violão e voz) e Danilo Caymmi (flauta e voz).
Há 20 dias atrás, enquanto eu organizava meus CDs, ouvi esse disco, que como já disse: uma preciosidade. E recomendo a todo aquele que ama a boa música popular brasileira.
ENTREVISTA COM CHICO BUARQUE
Além da obra musical e literária, Vinícius deixou como legado uma profissão, a de compositor popular moderno. Você sente essa influência de Vinícius em você?
Chico Buarque: Claro, tem esse aspecto de que ele viabilizou uma profissão que permitiu a chegada de todos nós. Mas tem outro aspecto que me chama mais ainda a atenção e que aumenta a importância de Vinícius para todos nós, que é o hábito de fazer parcerias. Desde que ele encontrou Tom, por causa do “Orfeu”, ele iniciou uma série de parcerias com todo mundo. Ele compôs com Carlos Lyra, o Baden, o Edu, mas também com o cara da padaria (risos), o estudante que chegava. Ele começou com o hábito de se fazer parcerias à toa, sem outro compromisso profissional. Sempre que viajo as pessoas me perguntam desse hábito brasileiro. Isso não acontece em lugar nenhum. Em geral, as parcerias são armações de gravadoras ou editoras para um objetivo muito claro. Vinícius não, ele celebrava a amizade com a parceria. E tinha aquele lado boêmio, de beber junto e fazer música sem qualquer interesse comercial imediato. Vinícius foi o nosso guia.
E como, 38 anos depois, você sente a obra musical de Vinícius?
Chico Buarque: Essas datas, essas efemérides podem levar a uma visão nostálgica da obra do Vinícius. Não acho que seja isso. Outro dia mesmo fui ouvir o disco do Tom cantando Vinícius e, tudo bem, tem a saudade do Tom, do Vinícius, mas fiquei novamente impressionado. É bom pra burro! De uma permanência e de uma atualidade que chamam atenção. É normal, com o tempo, devido ao sucesso, a coisa se banalizar. Mas aí se ouve de novo e percebe-se que, reouvindo, Vinícius nunca é déja vu.
Pessoalmente, qual foi a principal lição que Vinícius deixou?
Chico Buarque: Não tem nenhuma história específica, mas um longo convívio nos anos 60 e 70, aqui e fora do Brasil. A observação e o convívio com Vinícius foram muito importantes para mim. Como dizia o Drummond, Vinícius foi o único poeta a viver de fato a sua poesia.
E sua relação com o MPB-4 e o Quarteto em Cy?
Chico Buarque: Todos nós tivemos uma grande ligação com Vinícius. E começamos juntos. A primeira vez que vi o MPB-4 cantando foi no Zum Zum, eles cantando o “Lamento” do Pixinguinha e do Vinícius. O Quarteto em Cy, o primeiro grupo profissional a gravar uma música minha, o “Pedro pedreiro”, e foi o primeiro sucesso.
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