16 – 16 - EM LEOPOLDINA, O SUCESSO DO CONCURSO DE POESIA AUGUSTO DOS ANJOS, SE REPETE
Fernando Mauro Ribeiro
16 de nov. de 2023
3 min de leitura
Versos íntimos faz parte do livro Eu, único livro publicado pelo autor Augusto dos Anjo (1884-1914). Ele foi lançado em 1912, no Rio de Janeiro, quando o autor tinha 28 anos e é considerada uma obra pré-modernista. O livro reúne poemas construídos com uma abordagem melancólica e, ao mesmo tempo, dura e crua. É um dos poemas mais celebrados de autoria de Augusto dos Anjos. Os versos expressam um sentimento de pessimismo e decepção em relação aos relacionamentos interpessoais.
Em minha infância não tive acesso aos livros, nossos educadores não sugeriam esse ou aquele autor, não havia biblioteca na minha escola. Mas ainda assim, li, num pedaço de jornal talvez, - não me lembro exatamente - algo que me marcou para sempre. Nunca soube porque, mas aquelas palavras me perseguiram por muito tempo. Era mais ou menos assim: “Toma um fósforo. Acende um cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Por que me marcara tanto esses versos, não sei. Se me identificava com aquilo, não sei. Era um garoto.
Mais tarde, quando fui despertado para a leitura, quando conheci a obra de Machado de Assis, Érico Veríssimo e outros; pensei: vou encontrar em algum desses livros, em algum momento, esses versos. Na minha falta de conhecimento, cheguei a pensar que fosse Shakespeare o autor. Um dia, já trabalhando na Empresa de Correios e Telégrafos, Ruimar, um colega de trabalho me entrega parte desse poema escrito em um pedaço de papel e me disse que era de Augusto dos Anjos. Tenho-o ainda guardado em uma pasta. Mania de arquivar recortes de jornais e coisas desse tipo. Eu tinha então vinte e poucos anos, quando concluo que fora mais ou menos uma década para essa descoberta. Conheci o poema completo e posteriormente um pouco mais sobre a obra do autor. Quando soube que ele morrara em Leopoldina, senti-me ainda mais atraído, mais próximo, mais encantado. O POEMA:
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu
Ao formidável
Enterro de sua última
Quimera.
Somente a ingratidão –
Esta pantera –
Foi tua companheira
Inseparável!
Acostuma-te à lama que
Te espera!
O homem, que, nesta
terra miserável,
Mora, entre feras, sente
Inevitável
Necessidade de
também ser fera.
“Toma um fósforo.
Acende um cigarro!
O beijo, amigo, é a
véspera do escarro,
A mão que afaga é a
mesma que apedreja.
Se alguém causa ainda
pena a tua chaga,
Apedreja esta mão vil
que te afaga,
Escarra nesta boca que
Te beija!
Augusto dos Anjos
Algum tempo depois, tomei conhecimento do Concurso de Poesia, me inscrevi, participei e, dois de meus poemas foram classificados e fazem parte do livro que reúne outros poemas da edição daquele ano. Voltei a Leopoldina outras vezes para contemplar, maravilhado, a riqueza dos trabalhos apresentados ali e ter a oportunidade de ouvir convidados ilustres. Ontem, da sacada do apartamento aqui na Barra – Rio II - espiando o tempo e as redes sociais, me deparei com um belo texto do professor Luiz Melo Sobrinho, em que ele falava sobre o evento. Veja:
“Augusto dos Anjos, a quem o destino negou, ao longo da vida, motivos para sorrir, tem hoje, passado mais de um século, onde quer que esteja, sobejos motivos para sorrir. Leopoldina lhe dedicou quatro dias de muita homenagem, culminando na noite deste domingo, coma premiação dos vencedores do Concurso de Poesia. Um completo sucesso. Perto de mais de 1.600 participantes, de alto nível. De todos os estados do Brasil e do Distrito Federal. E de vários países de continentes diversos. Em vida, a humanidade não valorizou Augusto. Porque não o entendia. Augusto estava num patamar superior. Augusto sabia disto. Resignou-se. E proferiu uma profecia que hoje, decorrido mais de um século, se realiza.
Assim está, na parede da sala da casa do Augusto, hoje Museu, à esquerda de quem entra: “Depois da morte, inda teremos filhos”. E Augusto sabia das coisas. Neste verso, um decassílabo sáfico, Augusto, por conta da liberdade poética, provocou um caso de aférese e um caso de elisão. A seguir, vem um caso de silepse de número e um caso de semântica, dando a “filhos” um sentido conotativo. Não se refere a “filhos” concebidos pela conjunção carnal, mas gerados no útero da mente, no leito da cultura. No sucesso abrangente do concurso está, em parte, a realização da “profecia” expressa mais de um século atrás”.
Luiz Melo Sobrinho
Sem prévia consulta, publiquei aqui o texto do professor Luiz Melo Sobrinho. Creio que não ficará ele aborrecido comigo por isso, já que disponível nas redes sociais, imagino de domínio público – dando ao autor as credenciais, evidentemente – é, que o texto é muito bom e minha intenção é brindar os nossos leitores.
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