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11 - NAMORADO, NÃO PEÇA CARTÃO DE AMOR AO CHAT

  • Fernando Mauro Ribeiro
  • 11 de jun.
  • 2 min de leitura

Cartas de amor são ridículas, mas nesse Dia dos Namorados não caia na tentação de pedir ajuda à inteligência artificial para escrever uma que não seja.

        O amor é o ridículo da vida, dizia o bolero antigo, e os robôs modernos, sejam os do chat GPT desconhecem a maravilha de viver tamanho dilaceramento dos sentidos. São certinhos demais. Eles não traem a gramática, controlam a emoção no uso dos advérbios de maus modos. Principalmente não começam frases com o pronome pessoal oblíquo – e assim, coitados, jamais incorrerão na mais linda frase de qualquer língua, o fabuloso: “Te amo”. Quem quer receber carta de amor, e-mail de paixão, de um namorado assim?

Quem ama não revisa, abusa dos clichês, escreve uma carta sobre o calor arrogante de viver tamanha felicidade – e aperta o enter. Não está nem aí para a nota mil do Enem, o elogio do copydesk ou, muito menos a possibilidade de envergar um fardão da Academia Brasileira de Letras – amar é se desnudar, deixar a palavra nuinha e dormir de conchinha com ela. 

Saudade! Tesão! Tente explicar isso para o DespiSeek, a assistente virtual chinesa: amar se aprende errando! No Dia dos Namorados libere a língua e abrace a contribuição milionária de todos os enganos.

Qual o problema quando o coração parece estar escapulindo para fora do peito, se uma vírgula separa o sujeito do verbo?

Diga à pessoa amada que agente vai ser feliz, que está afim, que quer pedir perdão, se em algum dia, em algum jesto, fez mau ao outro. Não é a ortografia, é a sinceridade. Porfim, lembre-se emocionado do que sentiu naquele primeiro beijo na seção de cinema.

Quem namora não presta atenção nos riscos tremidos com que o Word sublinha de vermelho essas palavras erradas. E daí?

Os mais lidos se defenderão citando Fernando Pessoa: “Amar é equivocar-se”, e assim vão mandar o texto assim mesmo, fora da ordem natural das gramáticas.

Os mais apaixonados, esses nem perderão tempo de justificar. Têm mais o que fazer, mais beijos para dar, mais gargalhadas para dividir e não vão gastar carbono exigindo dos engenheiros de prompt uma frase escorreita, escrita nos rigores dos cânones semânticos.

Os anúncios classificados antigos, pediam que os interessados em certos cargos, tivessem “redação própria” e eu acho que neste Dia dos Namorados é fundamental recuperar esse dom tão humano de cada um escrever cartas ridículas ao seu jeito particular, borrifada de alfazemas com as palavras que saem do coração. Fica comigo! Sou tua!

A propósito, as assistentes virtuais são simpáticas, cada vez mais necessárias, mas elas apagariam todos esses pontos de exclamação, um recurso que os manuais de estilo já lhe disseram ser ultrapassado. Desconhecem o chifre, o pé na bunda, a solidão e por isso não sabem a felicidade de agora no dia 12 ter alguém para maratonar de mãos dadas uma série de dez capítulos. São frias. Não enlouquecem os algoritmos.

Como é que existe alguém capaz de narrar a delícia de ter uma namorada sem espetar o texto com um recurso gráfico de tanta vibração e espanto, verdadeiras flechas dos mais ridículos cupidos!!!

Joaquim Ferreira dos Santos – jornal O Globo

 

 
 
 

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