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07 - O MAR E A PRAIA

  • Fernando Mauro Ribeiro
  • 7 de ago. de 2023
  • 4 min de leitura

A maré alta é boa coisa. Traz o mar aos nossos pés. É mais alegre do que a vazante. Mostra a natureza irrequieta das águas grandes. Em geral gostamos da maré alta -a praia não gosta. Quando a água sobe, a praia some. Quando a água reflui a areia aparece. E sua qualidade, clara ou cinzenta se revela. Pensamos logo: essas duas situações se excluem. Pensamos também: é uma questão de ponto de vista. Se é a areia quem fala, a maré baixa é a verdade da praia. Se são as águas, a maré cheia é a verdade do mar. Porque é da verdade que se trata aqui.

É preciso que se diga logo: a verdade da praia e do mar é não haver um sem a outra. Isso é que é real. Sem esse vai e vem, praia e mar não existem. A praia se esconde quando a água sobe, - mas não desaparece. Seu escondimento é condição para a cheia da maré. E o contrário: quando as águas baixam, a terra aparece: a condição para vermos a terra é que o mar se encolha. Um movimento pertence ao outro. Sem a sequencia de velamento e desvelamento não dá para ir à praia. Ou não encontramos areia para a nossa prática de esportes, nossa barraca, ou não está lá o mar para o nosso corpo. E ficamos mais pobres.

Esse pode ser um exemplo para compreendermos a mais antiga experiência de verdade que os gregos fizeram, e que perdemos inteiramente. A de que a verdade não mora nas falas e nos discursos, mas no movimento do Real. Não pertence a nós. Pertence a tudo que se mostra e se esconde. Pertence ao mundo. Nós, o que temos para fazer é curvarmo-nos sobre ele e deixá-lo vir.

Apreciar o sol mesmo quando ele não está no nosso céu. Podemos confiar nele. Na sua hora própria, que pertence a ele, não à nossa angústia ou desejo. Sempre vem. É certo, por outro lado, que se não estivermos atentos ao seu escondimento, ele virá de todo modo, mas nós não daremos por isso. Estaremos distraídos. Desamorosos para a vinda do sol.

Buscar a verdade demanda amor. Desvelar o Real, deixá-lo brilhar, pede que nos desvelemos por ele. Que sejamos respeitosos com os seus escondimentos. Amemos o que, eventualmente, não está presente. Mas estará. A essa linda compreensão da verdade, os gregos do século VI a.C. deram o nome de alétheia. O descobrimento do encoberto. Um e outro. Sem exclusão. Perdemos essa experiência. Com essa perda tivemos dramaticamente reduzida a nossa capacidade de amar. E logo aqui, no território da verdade! A verdade que nos libertará.

Quando olhamos para o Brasil, hoje, encontramos tudo branco no branco ou preto no preto. Antigamente, (nem foi a tanto tempo) quando se queria dizer que uma coisa merecia confiança, pensava-se numa folha em branco, que progressivamente a tinta ia cobrindo com os arabescos das palavras. Preto no branco, dizíamos. E dizíamos: dou a minha palavra.

Hoje, parece, dar a palavra perdeu o valor. Porque, pensa-se, todos mentem – menos, é claro, cada um de nós. Não podemos confiar no que nos dizem, em nada do que se põe preto no branco. Porque preto não é branco, branco não é preto e é melhor mesmo que não se misturem. O problema é que preto no preto não se lê. Nem branco no branco. Não tem importância, dizem os desamorosos da verdade. Nós já sabemos, não precisamos mais procurar.

Que tristeza. O mundo perdeu o ritmo. As marés ficaram suspensas. Não há mais abraço do mar à terra. Quando o mundo para assim, a paz acaba e a guerra vem. Duro e aterrorizante que seja, é preciso reconhecer: estamos em guerra. E não era preciso. Quando as pessoas se amavam não havia sentido em se excluírem mutuamente. O pouco de luz que uma trazia se misturava com o pouco carregado pela outra. As escuridões se reduziam. E desse encontro luminoso uma coisa aparecia, que era amada em comum. Essa coisa era verdade.

Agora, parece, e é triste e assustador, cada um sabe de antemão a verdade, e não é a do outro. Já não se precisa do outro, ele que não perturbe! Ele está errado! Como, em relação à mesma coisa, não há duas verdades, a bonita oscilação do mar e da areia já não nos serve. Ou bem, ou bem. O diálogo está cassado.

Houve um tempo em que falar com os outros era uma alegria. E interromper, quando alguém parecia se tornar o dono da verdade, uma obrigação. Ninguém levava a mal. Falava-se, calava-se. E a verdade ia se instalando na conversa amorosa. Hoje, a se acreditar nos jornais, nas redes e nos sentimentos, essa conversa sorridente se acabou. Mas eu me lembro do tempo em que falar e calar era um modo da alegria amorosa.

E não estou tão velho que minha memória se perca na névoa de um tempo que não retornará. Retornará, sim. Está escondido, porque também o tempo se retrai. E se mostra. Retornará o tempo de conversar. Mas precisamos buscá-lo desveladamente. Ele não se dá a quem não o quer. A quem se quer mal. Na guerra a verdade naufraga. Um naufrágio que é triste demais.

Marcio Tavares d’Amaral

 
 
 

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