Na semana passada, aconteceu algo estranho. Fui ao Rio Grande do Sul participar do programa Fronteiras do Pensamento e fiquei por mais de 40 horas desligado dos jornais. Quando voltei, levei um choque. Tudo me pareceu caótico e inquietante. Os voos que servem aos Correios foram suspensos, Trump cortara o visto de estudantes estrangeiros, senadores e deputados estão envolvidos no escândalo de INSS, o governo gastara milhões em passagens num tempo de fáceis comunicações eletrônicas. Cheguei a dizer:
Onde é que vamos parar? Mas, imediatamente lembrei que noutras épocas, ironizava os velhos que reclamavam de um curso do mundo que já não podiam compreender. Será que agora é a minha vez de fazer esse papel? O único detalhe a meu favor é que, hoje mais que nunca os contornos em realidade e fantasia se dissolvem.
Não se trata apenas da discussão sobre bebês reborns com projetos na Câmara e vários comentários na televisão. Recebi no celular uma entrevista produzida por inteligência artificial em que entrevistador e entrevistados eram falsos. A especialista que analisava o vídeo, registrou apenas alguns movimentos suspeitos nas mãos de uma entrevistada. Nenhum de nós percebeu. E é um tipo de problema que resolverão logo. O título do vídeo era: “acabou para nós”, pois ele fora analisado da perspectiva de editores que se tornaram supérfluos com a IA.
Num mundo em que a quase totalidade das profissões podem desaparecer, é natural a inquietação. Assim como sermos dependentes das máquinas para um exame médico, uma operação, um trabalho intelectual e, o que já se mostrou espantoso, o protagonismo nas guerras. A Ucrânia ataca os russos com drones. Israel usou IA para definir alvos de bombardeio.
Onde é que vamos parar? Essa é a pergunta que velhos faziam com insistência e que, hoje, me parece muito mais angustiante.
Vi um filme chamado “Mountainhead” na TV. Conta a história de um encontro de quatro bilionários da internet. Têm plataformas, produzem aplicativos e olham o mundo do alto de sua fortuna e poder. Trata-se de um filme apenas, mas eles me interessam também porque, no fundo, esse tipo de pessoa é grande adversária da tentativa de atenuar a crise climática. São aceleracionistas, querem ir para frente na suposição de que ciências e tecnologia resolvem tudo e, em último caso, a conquista espacial abrirá novos espaços de vida – e a própria imortalidade nos será dada pelos computadores.
Os gregos já advertiam sobre o perigo da prática humana que desconhece limites. Ela é o estopim da tragédia. Por isso diferenciavam sagacidade e sabedoria. O coro na obra de Sófocles afirma: a felicidade depende da sabedoria em todos os sentidos.
Todo este momento confuso me fez entender melhor os velhos que talvez ironizasse porque tinham dificuldade de compreender o curso do mundo.
Onde é que vamos parar. Essa é a pergunta que faziam com insistência e que, hoje, sem subestimar sua perplexidade, parece-me, muito mais angustiante. Estamos diante de uma catástrofe climática e da substituição da verdade pelas falsas versões. Os velhos não têm acesso a uma felicidade exuberante.
Sempre cito Samuel Beckett: não se passa um dia em que algo seja acrescido ao nosso saber, desde que suportemos as dores. Hoje, imagino que Beckett tenha se inspirado no Eclesiastes, também citado por Giordano Bruno em 1588: “Aquele que aumenta seu saber, aumenta seu pesar”. Tudo isso não implica conformismo, pelo contrário. Sabendo distinguir o que é passível de transformação e o que não é, talvez seja possível conduzir a serenidade necessária para enfrentar esse mundo confuso.
Resolvi abordar o tema pois há muitas maneiras, além do espelho, para descobrir que envelhecemos. Uma delas é essa inquietação sobre onde pararemos, num planeta ameaçado pelo desastre e por aqueles que querem marchar aceleradamente em sua direção, embalados pelos lucros e fantasias doas big techs.
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