O relatório Maje Our Children Healthy Agaim (MAHA), oi Torne Nossas Crianças Saudáveis de Novo”, elaborado por uma comissão liderada pelo secretário de Saúde RFK Jr e publicado pelo governo dos EUA em maio, traz uma série de recomendações sobre doenças crônicas, especialmente em crianças. O relatório destaca o problema da obesidade e diabetes infantil, e aponta como culpados os alimentos ultraprocessados, falta de exercícios físicos, exposição a produtos químicos e excesso de medicamentos.
Mas o relatório traz algo mais: citações de estudos que não existem ou não são de autoria dos pesquisadores indicados. Ou seja, a comissão inventou artigos científicos para justificar suas conclusões, como se fossem baseadas em estudos científicos. Ou, para dar o benefício da dúvida, não foi cuidadosa o suficiente ao checar as referências. Ou ainda, buscou inteligência artificial para buscar referências, e recebeu “alucinações de IA” como resposta.
Entre os estudos inexistentes citados temos artigos sobre saúde mental, propaganda de fármacos e até mesmo prescrição de medicamentos, como reporta a investigação conduzida pelo jornal The New York Times. O jornal traz relatos de cientistas como a professora de epidemiologia Katherine Keyes, da Universidade de Colúmbia, que ficou surpresa ao ver seu nome na lista de autores citado em um estudo sobre saúde mental de adolescentes. Ela não é autora do trabalho que não existe em nenhum banco de dados.
O governo dos EUA se defendeu dizendo que os erros são apenas pequenas imprecisões que não afetam a substância do relatório que, segue sendo um “marco histórico”. A Casa Branca publicou uma versão corrigida.
Além do absurdo de termos a publicação de um relatório que se diz transformador para a saúde pública com erros que ficam no limite entre fraude e incompetência, o trabalho em si não propõe soluções reais para os problemas que quer resolver.
RFK Jr é porta-voz de uma ideologia obscurantista que vê tudo que não é “natural” como essencialmente maléfico. O texto é carregado de paranoia em relação a supostos contaminantes ambientais químicos, que estariam por toda a parte, incluindo no leite materno e na poeira doméstica, causando doenças – paranoia que serve bem aos vendedores de “processos detox”, mas sem apoio em evidências. Até o flúor adicionado na água para preservar a saúde dos dentes entre na lista desses perigosos “contaminantes”.
O relatório também ataca a vacinação infantil. Critica-se um suposto excesso de vacinas infantis e apresenta-se a recorrente alegação de RFK Jr de que as vacinas não foram bem testadas. Nenhuma dessas preocupações procede. As vacinas atuais trabalham com menos estímulos no sistema imune das crianças do que as do passado e muito menos ainda do que as doenças que previvem. Todas as vacinas disponíveis foram rigorosamente testadas e aprovadas.
Chama a atenção, ainda, a desconexão entre a preocupação expressa do relatório com a alimentação infantil e as ações do governo que RFK Jr serve. Promover alimentação saudável para crianças é louvável. Mas, na prática, temos poucas ações concretas.
Em março deste ano, o Departamento de Agricultura cancelou um programa que levava frutas e verduras de produtores locais para escolas. O consumo de frutas e verduras é cientificamente comprovado como eficaz para prevenção de doenças metabólicas, cardiovasculares e câncer.
Pesquisadores que trabalham com a pesquisa em nutrição infantil perderam seus financiamentos e, um dos principais pesquisadores sobre os ultraprocessados Kevin Hall deixou seu cargo no governo federal alegando censura de seus estudos.
O relatório MAHA, parece mais uma peça de propaganda ideológica do que um documento feito com o devido rigor científico e com real interesse em promover a saúde infantil.
Natália Pasternak – Microbiologista, presidente do ICQ
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