O dia era três de fevereiro, o ano 1964 talvez, e nesse caso, o garoto estaria com sete anos. Era verão, estação do ano caracterizada por ser a mais quente. Neste período, as temperaturas permanecem elevadas e os dias são mais longos que os dias das outras estações e é também o período do ano reservado às férias escolares. Essa não era uma preocupação do menino – se é que criança se preocupa - que iniciaria alguns dias depois sua vida escolar. Se ele tinha alguma preocupação talvez fosse o medo de iniciar uma vida nova, medo do “desconhecido”. Não havia pré-escolar, não éramos estimulados e nem mesmo preparados para estar por quatro horas em uma sala de aula.
O verão, não era tão rigoroso quanto hoje. Fazia-se calor, mas os termômetros nem imaginavam registrar 38º, ou 40ºC como ocorre nos dias de hoje. Aprendi na escola, algum tempo depois, que somos nós mesmos os culpados por essa elevação da temperatura. Que as catástrofes que vemos aqui e acolá, são consequências do desmatamento irregular, a poluição dos rios, nossa irresponsabilidade com o Meio Ambiente.
Naquela manhã de três de fevereiro, o clima era até agradável, é verdade que mais tarde, com a presença do sol, o tempo esquentou, a temperatura se elevou um pouco. Tomado pela mão, eu era conduzido por minha mãe pelas ruas de terra batida de minha Cachoeira. Cabelo penteado da esquerda para a direita, calças curtas, camisa de abotoar e sapatos pretos, tudo muito limpo, como era desejo de minha mãe e é como se deve fazer todo menino comportado.
O objetivo era chegar ao alto daquela colina, na Igreja-matriz de São Sebastião. Chegando, pois, ao destino almejado, ouvi de minha mãe: “Hoje é dia de São Brás, Pe. Nonato vai celebrar a Santa Missa e dar a Bênção contra os males da garganta”. Fiquei atento, na expectativa da hora da bênção da garganta e de como seria. A matriz era linda, um altar central e dois altares laterais, todos belíssimos. Toalhas nas cantoneiras e jarros com flores contribuíam ainda mais com o cenário.
O padre Nonato surgiu, vindo da sacristia para o presbitério, com vestes vermelhas. Opa! Essa cor nem é muito comum. Acho que só para os dias de festa, pensei. Isso porque na festa do padroeiro, ele sempre vestira assim. Eu costumo ver o padre com paramentos de cores verde, branco, amarelo-dourado, róseo e até roxo, mas vermelho é sinal de festa, eu imaginava.
Não sabia que para cada período se usava uma cor. Assim, o tempo Comum se usava o verde, no Tempo do Advento o roxo ou róseo, e as demais cores também de acordo com a celebração daquele dia. E o paramento vermelho que eu pensava que seria festivo, na verdade, se usa quando celebra os mártires – aqueles santos e santas que deram sua vida pela Igreja – Logo, naquele dia seria o vermelho, em honra ao mártir São Brás.
“Este Santo lutou até a morte pela lei de seu Deus e não temeu as ameaças dos ímpios, pois se apoiava numa rocha inabalável”. Teria o celebrante dito isso, ou li em algum livro, muito tempo depois.
Poucos tinham acesso ao presbitério, o local era circundado com uma grade de madeira com peças torneadas e envernizadas, uma espécie de proteção, mas que conferiam à obra um belo visual. Era diante dessa grade que os fiéis dobravam os joelhos para receberem a Sagrada Eucaristia e, era também ali, que logo depois, todos estariam para receber a bênção da garganta.
Atento que estava, desde o início, quando minha mãe me anunciou de que também eu receberia aquela bênção. Tive receio, mas ela me persuadiu de que era simples, embora muito importante. As coisas importantes, às vezes, são simples mesmo. Uma vez convencido, não me distraí um só minuto, feliz que estava porque participaria daquele momento ‘importante’.
Vi, quando o sacerdote tomou em suas mãos, duas velas que, amarradas com uma fita vermelha, tinha o formato de uma cruz – ou seria um xis – e as acendeu. Diante de cada fiel, ele aproximava as duas velas, da garganta de cada pessoa e pronunciava algumas palavras incompreensíveis para mim. Temi por algumas senhoras de cabelos longos e ou que usavam véu. Elas correm o risco de terem o véu e o cabelo queimado. E a vela, um tanto inclinada, poderia respingar no pescoço ou na roupa de alguém causando desconforto, pensei. Contudo, segui para a fila, atento aos possíveis riscos. Quanto a mim, estava seguro: homem não usa véu e nem tenho cabelos longos. E tudo transcorreu sem nenhum incidente, graças a Deus!
Passado algum tempo, observei que as velas utilizadas para a bênção, não mais eram acesas. Aliás, elas depois de acesas, seriam apagadas para que se efetuasse a bênção. Cheguei a comentar com alguém, que em outros tempos – na minha infância – era diferente: as velas utilizadas para a bênção, eram acesas. “Não creio, não me lembro e penso que estás equivocado, respondeu-me meu interlocutor”.
Naqueles dias, não imaginava o menino, que, pouco mais de trinta anos depois, - na condição de Ministro Extraordinário da Palavra e da Eucaristia – ele estaria ministrando a bênção de São Brás, na Matriz São Paulo, em Muriaé. Oportuno lembrar que nessa ocasião, eu já tinha conhecimento de que aquilo que dizia o sacerdote no momento da bênção, era: “Por intercessão de São Brás, Bispo e Mártir, livre-te Deus do mal da garganta e de qualquer outra doença. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”!
Passei longos anos me perguntando se eu estaria mesmo equivocado ou se houve de fato uma mudança. Até que perguntei ao Pe. Marino e ele respondeu que eu tinha razão. Era de fato com as velas acesa, mas que depois, por questão de segurança houve tal mudança. Sabe que fiquei contente! Primeiro, porque, lembrava-me de cada detalhe, e como me confundiria com as velas acesas ou apagadas? Depois, porque também eu tinha cabelos longos e corria o mesmo risco que as senhoras. Só que homem não usa véu! Também elas já não usam mais. Estamos, pois, em pé de igualdade. Então, é mais uma vitória na luta das mulheres pelo direito de paridade.
Aprendi que os santos, mesmo nas horas difíceis, não deixavam de praticar o bem. Com São Brás não fora diferente: quando aquela mãe recorreu a ele, pois sua criança estava com uma espinha de peixe atravessada em sua garganta; ele a salvou. Mais tarde, essa mãe trouxe-lhe alimentos e velas, pois São Brás estava preso numa gruta. Daí, a tradição de se dar as bênçãos com as velas. São Brás, morreu decapitado, por volta do ano 316. Sigamos, pois, o exemplo daqueles que não temeram praticar o bem.
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