Isso de ser brasileiro é estranho porque, às vezes, passa um tempo esquecido; às vezes, uma certa decepção com as elites política aborrece. Mas, ao contrário do verso de Drummond, há um momento em que todos os bares se abrem, e todas as virtudes se afirmam. A carta de Trump fixando uma tarifa absurda sobre os produtos brasileiros é um desses momentos. Como assim, logo o Brasil que tem déficit comercial com os Estados Unidos?
Felizmente, sou carta fora do baralho em Brasília. Mas isso não me exime de pensar e fazer algo. É uma oportunidade para que todos façam pois é um tipo de luta aberta a todos oor menor que seja a contribuição de cada um. Pelo menos é assim na visão estratégica que me parece adequada.
Creio que, apesar de certos conformismos nos Estados Unidos, ainda existe capacidade crítica no país. Dentro de nossos limites precisamos despertá-la por meio de microiniciativas que podem ser cartas, mensagens, conversas em fóruns internacionais. Temos algo a dizer: somos um exemplo singular de injustiça e de truculência de Trump.
Minhas expectativas vão se confirmando progressivamente. No início, um Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman ressaltou o absurdo da medida. Outros economistas também criticaram. Hillary Clinton adversária de Trump na primeira campanha se manifestou contra a decisão.
Em seguida a Câmara do Comércio dos Estados Unidos pediu revisão. Afinal, mais de sei mil empresas americanas comerciam com o Brasil e serão atingidas pela tarifa draconiana. Em pouco tempo, a Justiça pode ser acionada, pois a fixação de tarifas extraordinárias depende de condições legais. No caso brasileiro, estão ausentes.
Há uma luta de longo alcance a travar, e isso pode nos revigorar como país. Certamente, beneficia o governo, influencia as eleições e pode marcar nosso futuro, pelo menos até 2030.
Isso não significa que se deva concordar com tudo. Já fiz críticas à política externa de Lula, argumentando que não expressa a frente democrática que o levou ao poder. É algo dele e do PT. Mas essa é uma questão que tem que ser resolvida no debate democrático interno. Parceiros de Lula na frente, Alckmin e Simone Tébet[F1], jamais se pronunciaram pois estão satisfeitos em seus cargos e não querem transtornos como criticar Putin e sua política nefasta na Ucrânia.
Da mesma forma, a cruzada para desbancar o dólar parece um pouco voluntarista. O que mantém o dólar como padrão são fatores econômicos e políticos desde 1944 com o acordo de Bretton[F2] Woods. Discretamente, ao invés de discursar, a China criou um banco de pagamentos e negocia com sua própria moeda. Já alcança 4% do movimento mundial. Se, de um lado, não se derruba o dólar apenas com discurso, de outro, não se mantém o dólar na base da repressão, como quer fazer Trump. É algo que desafia a vontade de um governante.
De qualquer forma, desejar uma unidade nacional que transcenda nossas divergências políticas não significa que elas desapareceram. Significa apenas que elas devem ser tratadas num contexto democrático e apenas nele. De modo geral, sanções contra um país fortalecem governos e empobrecem o povo. Isso é válido para alguns, mas no caso brasileiro com uma economia mais poderosa, as chances de atenuar o baque são maiores.
Resta esperar o resultado da investigação que os americanos farão no Brasil, baseados na Seção do 301Trade Act. Ela é pensada para investigar países hostis aos interesses americanos. Será que o Brasil é realmente hostil? De qualquer forma estamos diante de um processo longo e difícil. Começou um novo tempo – não nos afastemos uns dos outros.
A unidade nacional implica usar toda a nossa imaginação. Mas não pode se tornar um mecanismo de unanimidade forçada, sobretudo porque não há concordância total com a política do PT.
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